"Bill, vamos sentir muito sua falta."

Vida & Lucros | Edição #083

Dias antes de um novo colaborador entrar na Trek, aquela tradicional fabricante americana de bicicletas fundada em 1976 no Wisconsin, ele recebe em sua casa o livro de cultura da empresa.

O livro mostra como a Trek pensa, age e no que acredita.

Nele, várias páginas são destinadas ao Trekismos, que são aquelas palavras e frases curtas, mas cheias de significado, que a galera da Trek usa no dia a dia.

Tipo “piada interna”, sabe?

Eles são quase um código, e servem pra guiar decisões e moldar comportamentos.

Tem um Trekismo que diz: “Pergunte por quê? cinco vezes”, e significa investigar repetida e incansavelmente um problema até chegar ao cerne da questão.

E outro, que é, inclusive, o título deste texto (e o que me instigou e escrevê-lo): “Bill, vamos sentir muito sua falta”.

Essa última frase veio do basquete universitário americano, e tem uma história ótima!

John Wooden, técnico lendário da UCLA, gostava de ver seus atletas de cabelo cortado, sem muita conversa.

Certa vez, Bill Walton, um dos principais jogadores do time, apareceu de cabelo comprido e falou que dessa vez não ia cortar.

O técnico olhou pra ele e mandou um: “Bill, vamos sentir muito sua falta”, e tocou o treino.

Não teve bate-boca nem drama.

Vida que segue.

Depois de um tempo, adivinha?

Bill cortou o cabelo.

Não era implicância com ele; era a regra, e valia pra todos, até pro craque do time.

Mas por que uma fábrica de bicicletas faz questão de destacar essa frase no seu livro de cultura?

Porque não adianta ter só cartaz na parede.

O que manda mesmo são as escolhas que a gente faz quando testam os limites.

Se na primeira vez que alguém desafia a regra, ela é quebrada, pronto: nasceu a exceção bonitinha.

Depois, essa exceção vira hábito.

Quando vê, aquilo que era um detalhe vira fonte de ruído, retrabalho, desconfiança… e o clima pesa.

Esse custo aparece no dia a dia, em coisas pequenas: aquela atividade obrigatória que ninguém fez, aquela decisão que ficou pra depois, o prazo virando um “depois eu olho”.

No começo, nem parece problema.

Mas, quando acumula, sobrecarrega quem faz o básico direitinho.

Quem gosta de dar “jeitinho” já percebe onde dá pra cortar caminho.

O cliente sente a diferença no atendimento, a liderança passa a semana apagando incêndio e todo mundo vai ficando esgotado.

É aquele custo invisível que ninguém gosta de admitir.

Ter padrão serve pra poupar a energia que hoje se perde tentando alinhar tudo mil vezes, não pra engessar ninguém.

Tipo cozinheiro que faz mise en place: deixa tudo arrumado antes, pra inventar à vontade sem se perder ou fazer bagunça.

O tal do cabelo curto na UCLA era um jeito simples de John Wooden dizer que a regra vale pra todos. 

Essas coisas economizam tempo, evitam briga e, de quebra, conseguem poupar uma atenção que faz toda diferença.

O que mais me chama atenção nos Trekismos é esse poder de simplificar.

Frases rápidas, repetidas, com sentido compartilhado, que dizem resumidamente o que a empresa quer preservar.

Quando escuta “Pergunte por quê? cinco vezes”, ninguém precisa ouvir uma palestra pra saber que não dá pra simplesmente tapar o buraco e que tem que ir na origem do problema.

Bill, vamos sentir muito sua falta”, por sua vez, deixa claro: não existe imunidade só porque deu resultado.

Todo mundo é igual nessas horas, sem precisar organograma explicando.

Outra coisa legal é o cuidado com a linguagem.

Pra Trek, a cultura é uma espécie de idioma: se todo mundo fala igual, entende igual e age igual, os conflitos caem e a autonomia aumenta.

Ao contrário do que você pode estar pensando, ter padrão não significa centralização nem burocracia; é clareza pra cada um decidir sem ser travado por dúvidas que não deveriam nem existir.

Isso, sim, traz agilidade.

Claro que exceções vão acontecer.

É impossível ter um grupo adulto e achar que nunca vai ter situação diferente.

Nestes casos, o segredo é não deixar exceção virar regra “camuflada”.

Se rolar uma exceção, tem que ser aberta, registrada, com motivo bem claro.

Assim a equipe aprende.

Se começa a virar rotina escondida, o time com certeza vai sentir a diferença.

Não precisa criar mil regras novas; basta um jeito direto de lidar, pra ninguém desconfiar do famoso “dois pesos, duas medidas”.

O truque do Wooden funciona porque não humilha ninguém nem faz show.

É só: “Não cortou o cabelo? Então não joga”.

Cada um que escolha, sabendo das consequências, sem ironia e sem dar palco.

É assim que se mantém respeito, sem transformar a empresa numa disputa de quem manda mais.

Outra boa dica é manter os padrões sempre atualizados.

Não são barreiras fixas pra sempre, mas trilhos que se ajustam se o terreno muda.

Aprendeu algo novo? Bora revisar!

O que não pode é mudar escondido apenas pra alguns.

Aí vira fofoca e tira o ânimo de todo mundo.

Mudança precisa ser clara, geral, pra ninguém ficar perdido no caminho.

Mas, tem uma parte ainda mais sensível: lidar com quem é destaque.

Sempre tem aquela pessoa fora da curva, que entrega mais e que puxa a régua do time pra cima em termos de resultado.

Naturalmente, ela vai querer testar algum limite; não por mal, mas por confiança ou por se sentir “com crédito”.

E é aí que a cultura mostra se vale mesmo: se abrir mão da regra pro craque, o recado ficará dado pra todo mundo.

Se mantém a regra igual, o grupo inteiro sente que é tratado com justiça.

Às vezes, isso nem vira notícia, mas pode apostar que o pessoal percebe na hora.

Viu como não precisa de grandiosos discursos nem grandes manuais?

O negócio é praticar: falar a mesma língua, repetir os Trekismos, aplicar consequências proporcionais e conhecidas, mostrar pelo exemplo na liderança e revisar quando precisar.

Assim, sobra energia pra o que realmente importa: cliente, produto, equipe, futuro.

Na Trek, o livro de cultura que o colaborador recebe não vai enfeitar a mesa.

É um convite pra jogar junto.

As páginas de Trekismos servem pra simplificar a vida, criar atalhos de decisão e ativar o bom senso quando os problemas aparecerem.

Pode parecer simples, mas já é meio caminho andado pro líder e gestor que quer estabilidade sem perder rapidez no dia a dia.

Uma cultura forte aparece não quando “liberam” o jeitinho uma vez, mas quando deixam claro o que nunca se permite, protegendo todo mundo, de igual pra igual.

É dessa forma que nasce confiança dentro do time.

Bill, vamos sentir muito sua falta” não quer dizer que alguém vai ser demitido.

É um jeito direto de falar que ninguém está acima da cultura.

Quando isso vira realidade na empresa, o resto começa a se encaixar direitinho.

Até a próxima,

Gus

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