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Quando Chaplin finalmente falou
Vida & Lucros | Edição #078
Em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, o mundo parecia afundado em medo, violência e propaganda.
As telas de cinema, que tantas vezes serviam de refúgio para fantasia, também refletiam aquele tempo sombrio.
Charlie Chaplin, já reconhecido como um dos maiores artistas vivos, carregava nas costas a reputação de gênio do cinema mudo.
Seu personagem Carlitos havia emocionado multidões sem precisar dizer uma única palavra.
Durante décadas, Chaplin fez o mundo rir em silêncio.
Mas naquele ano ele decidiu falar.
E quando finalmente abriu a boca, não foi para arrancar risadas.
Foi para fazer história.
No filme O Grande Ditador, Chaplin satirizou Adolf Hitler de maneira corajosa.
Mas o que se tornaria imortal seria o discurso final.
Seu personagem, um barbeiro judeu confundido com o ditador Adenoid Hynkel, sobe a um palanque e, em vez de imitar a retórica autoritária, entrega uma mensagem que até hoje ecoa.
Falou de liberdade, fraternidade, humanidade.
Denunciou a ganância, a tirania e a opressão.
Clamou por um mundo em que homens não fossem máquinas, em que líderes existissem para servir, não para dominar.
Não sois máquinas. Homens é que sois.
Uma frase simples, mas tão poderosa que atravessou décadas.
Eis o discurso na íntegra:
Sinto muito, mas não quero ser imperador. Esse não é o meu negócio. Não quero governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos — se possível — judeus, gentios, negros, brancos. Todos nós queremos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver pela felicidade do próximo, não pela miséria do próximo.
Não queremos odiar nem desprezar uns aos outros. Neste mundo, há espaço para todos. A terra é boa e rica e pode prover para todos. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, mas nós nos extraviamos.
A ganância envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio, e nos fez marchar a passo de ganso para a miséria e a carnificina. Criamos a velocidade, mas nos enclausuramos dentro dela. A máquina que produz abundância tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos cínicos, nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de bondade e ternura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade no homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós.
Neste mesmo instante, a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo todo — a milhões de homens, mulheres e criancinhas desesperadas, vítimas de um sistema que faz torturar seres humanos e prender inocentes.
Aos que me podem ouvir, eu digo: não desesperem. A desgraça que tem caído sobre nós é apenas o passar da ambição, a amargura dos homens que temem o progresso humano. O ódio dos homens passará, e ditadores sucumbirão. E o poder que do povo arrebataram, ao povo há de retornar. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade não perecerá jamais.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais — homens que vos desprezam, que vos escravizam, que dirigem as vossas vidas, que vos dizem o que fazer, o que pensar e o que sentir! Que vos fazem marchar no passo, que vos sujeitam, que vos tratam como gado e que vos usam como carne para canhão. Não vos entregueis a esses homens sem alma — homens-máquinas, com cérebros e corações de máquinas! Vós não sois máquinas! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossos corações!
Não odieis! Só os que não são amados odeiam, os que não são amados e os desumanos. Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!
No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem — não de um homem só ou de um grupo de homens, mas de todos os homens! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder — o poder de criar máquinas, o poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa.
Portanto — em nome da democracia — usemos desse poder, unamo-nos todos nós! Lutemos por um mundo novo, um mundo bom, que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa dessas coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas eles mentem! Não cumprem o que prometem! Jamais o cumprirão! Os ditadores libertam-se, mas escravizam o povo!
Lutemos agora para libertar o mundo, para afastar as fronteiras nacionais, para abolir a ganância, o ódio e a intolerância. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos os homens.
Soldados! Em nome da democracia, unamo-nos!
O mundo de Chaplin não existe mais, mas a essência do discurso não envelheceu.
Continuamos cercados de pequenas tiranias, embora com outras roupas.
Antes era a engrenagem industrial; hoje é o algoritmo, a tela infinita, a cobrança para estar sempre disponível.
Acordamos e dormimos olhando para o celular, escravos de notificações que nunca cessam.
Vivemos correndo atrás de expectativas que nem são nossas, atolados em tarefas que não escolhemos.
Confundimos sucesso com acúmulo, liberdade com exaustão, felicidade com a próxima conquista.
Não precisamos de tiranos para nos oprimir.
Nós mesmos nos escravizamos.
Viramos prisioneiros do relógio, da pressa, da comparação.
Transformamos a vida em planilha, o corpo em fardo, os relacionamentos em performance.
E, nesse processo, vamos deixando de lado justamente o que nos torna humanos: a capacidade de sentir, de estar presente, de dar sentido ao que fazemos.
Chaplin avisava que não somos máquinas.
Mas nos comportamos como se fôssemos.
Obedecemos a comandos invisíveis, repetimos tarefas sem pensar, acreditamos que mais velocidade e mais esforço sempre levam a mais felicidade.
Quando, na verdade, é o contrário.
Quanto mais abrimos mão da nossa humanidade, mais nos afastamos daquilo que realmente importa.
Chaplin poderia ter permanecido calado.
Ele já era rico, famoso, admirado.
Não precisava se arriscar.
Poderia ter usado sua primeira fala no cinema para reforçar sua imagem, mas escolheu se arriscar.
Esse gesto mostra que coragem não é dizer a verdade quando ela é popular.
É dizer a verdade quando ela incomoda.
Na vida, muitas vezes escolhemos o silêncio confortável em vez da fala necessária.
Aceitamos atalhos, incoerências, mentiras, porque é mais fácil fingir que não vimos.
Chaplin provou que a voz que incomoda pode ser justamente a que transforma.
Mais de oitenta anos depois, a escolha continua a mesma: viver como máquina ou viver como humano.
Viver em automático, reagindo, consumindo, acelerando sem parar.
Ou viver como gente, presente, com consciência, com coragem de dizer não ao que desumaniza.
O lucro pode sustentar uma empresa, mas é a humanidade que sustenta uma vida.
Chaplin nos lembrou disso em plena guerra.
Nós precisamos nos lembrar todos os dias, no meio das nossas próprias batalhas silenciosas.
Porque quando ele finalmente falou, não foi apenas cinema. Foi um chamado.
E esse chamado continua valendo.
Até a próxima,
Gus
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